Patroa 33

O dia estava daquele jeito, trincando a muringa, literalmente, liguei o ar condicionado do carro e desci devagarzinho curtindo um som e observando a city.  O Agreste era o melhor lugar do mundo na minha opinião, esse sobe e desce, os firma na esquina, muita marola e muito rap, mas sei que faltava muito para a minha quebrada ser um exemplo de paz, na verdade nem sei se isso é possível na periferia. Aqui tudo é difícil para quem tenta a vida de maneira correta, na verdade tudo é mais difícil quando o território é pobre e sem estrutura.
Quantos e quantos já não vi cair nas quinas do Agreste, quanto foram presos, enquanto outros propiciavam a guerra...  E eu continuo aqui firme e forte sonhando com uma quebrada feliz, menos violenta e pela ordem. Esses dias rolou uma cabulosidade lá no campo da 5, mataram uma mina e usaram o kaô que ela estava fazendo leva e trás para os cabritos do Pombal. Eu tenho minhas dúvidas em relação a isso, ao meu ver esses pebas daqui não conseguem pegar a dona e forma essa kaô pra agir na piranhagem. O muleque que matou essa mina tá de boa na quebrada, os cara tudo batendo palma e o pilantra se achando o machão... Deixa ele, mal sabe que aqui quem vai comandar essa porra toda sou eu e quero ver esses pilantra matar alguma mulher aqui no Agreste.
Subi pela outra avenida e resolvi passar na boca lá do Ralf, tem poucos dias que coloquei a Manu na função, pois, não queria ela nessa corre. Mas, ela insistiu muito e alegou que estava passando mal das pernas depois que o marido foi preso. Quando virei a quina já a vi negociando com um menor.
- Qual é Manu? – falei assim que desci do carro.
- Qual foi, Patroa?
- Te falei que não quero minhas drogas na mão de menor, véi!
- Poh, Patroa. Os moleques ficam aqui só no charlate falando que são tudo maior.
- Tu tá ligada que não são, Manu! Olha a cara desse pivete, aí?! – retruquei apontando para o menor que já estava do outro lado da rua. Quando eles me veem sempre saem fora, porque sabem que eu boto pra esparro-  Não quero droga na mão de menor não, Manu. Essas porras não querem saber de escola, ficam só roubando lá no centro pra se adiantar aqui, vender pra menor é puxar o gatilho de vez, tá ligada?
- Foi mal, Patroa!
- Foi mal nada!! Se liga em como tá fazendo o corre pra mim ou tu vai sair fora, beleza?
- De boa, foi mal mesmo!

Entrei no carro e nem respondi
Uma coisa que eu não tenho é paciência para explicar uma regra mais de uma vez, só não vou botar essa mina pra vazar, porque eu considero muito o marido dela, o Cadu, muleque doido que sempre fechou comigo.
Continuei o rolê até a 7 e desci até a padaria para comprar um lanche para o Lucas, com certeza ele ainda dormia. Já estava farta desse bicho, mó parasita, não faz um corre nem pra se alimentar e para piorar quando peço algo ele sempre inventa um migué e sai fora da função. Comprei um lanche e subi direto pra casa. No caminho pensei em tudo que vivi até chegar até aqui, sinto tanta falta dos meus pais, quem sabe se estivessem aqui a minha vida seria outra, possivelmente, estaria empenhada nos estudos, pensando no futuro.. Mas, a minha vida sempre esteve destinada ao tráfico, era hereditário, mano. Todo mundo da minha família estava envolvido e os que não estavam diretamente, ajudavam indiretamente de alguma forma.
Cheguei em casa e o parasita estava no celular conversando com alguém, entrei sorrateiramente sem que ele percebesse e consegui ouvir uns trechos.
- Fala não, gata! To cheião de saudades também, se der pra dar um desdobro eu vou colar aí pra gente fazer aquele sexo.
- Aproveita e leva as tuas roupas, parasita! – Esbravejei entrando no quarto.
Ele levou um susto e desligou o telefone na hora, quando virou-se para mim, seu rosto tinha uma nuance de branco com amarelo.
- Tá assustado, piranha brava do caralho??
- Tá doida, Dandara!
- Doido é tu que tá aqui só na parasitagem me sugando enquanto eu ralo pra caralho, e ainda tá de rolo por aí. Bora, pega tuas coisas e vaza!
- Moss, sai dessa! Bora trocar ideia, por favor?
- Sem ideia, ladrão. Bora!! Pega teus panos e vaza, é para levar só o que você já tinha quando veio morar comigo.
- Para com isso, Dandara! – suplicou ele.
- Parceiro, tu tá desacreditando?? Ou tu vaza daqui ou tu vai sair daqui pulando igual pipoca com tanto tiro que vou meter na tua reta.

Ele se virou e começou a arrumar as coisas.
- Faz o seguinte, vaza logo daqui e eu mando tuas coisas pelo Ratão.
- Deixa eu arrumar minhas coisas ao menos?
- Lógico que não!! Tem muita parada aí que te dei e tu vai sair só com o que tu já tinha, bora, pega descendo seu pilantra!

Continua....

Capítulo 2

Já havia passado uma semana que o Lucas foi embora, ele tentou conversar comigo, mas fui irredutível. Aquela cena foi só um motivo pra botar ele pra andar, porque eu já não estava mais aguentando aquele parasita nas minhas costas. Tudo tinha que ser eu, até para comprar um baseado o cara não tinha grana, e nem queria fazer um corre pra ganhar o seu.
O final de semana já estava chegando e eu marquei de viajar para Chapada dos Veadeiros com a Laís, a princípio, nem estava afim de viajar, mas a Laís insistiu tanto que acabei cedendo. Bem que eu estava precisando sair um pouco da city, minha vida era só trabalho e casa, todos os dias eu ia fechar os negócios e tentar arrumar mais cliente. Já tinha um tempo que entrei no corre mesmo, e estava visada demais pelos canas, optei por juntar uma boa grana e dá só uma tacada boa por mês. Aquele vai e vem de cheirado na minha porta me incomodava demais, se eu pudesse nem colocaria   a mão na sequência, mas como diz o ditado: que é a mão do dono que engorda o negócio, eu não tinha outra alternativa a não ser estar a frente dos meus negócios.
Já era final de tarde quando a Laís chegou.
- E ae, mana!! Tá animada para nossa viagem de amanhã?
- Até que me animei agora que está quase perto. – falei, mas sem muita convicção.
- Sei, Dandara... Te conheço, bicha!
- Saí dessa, Lalá. Vamos viajar e já é!
- Ainda bem você vai sair desse Roriz e viajar nem que seja por um final de semana. Você trabalha muito, amiga.
- Você tá certa, mas eu tô bolando um plano aí que vou poder ficar de boa sem tá muito envolvida.
- Mana, você poderia juntar uma grana e tal, sair dessa vida. Tô fazendo um curso aí, conhecendo uma galera nova e é outra vida, saca?!
- Sacô!
- Ai, Dandara! Você me mata com essa ironia barata. Hein, bora dá um rolê lá no vale?
- Tem o que lá?
- Vai rolar um frevo lá na casa da Samalandra, é o aniversário dela.
- Bora colar, então. Ela me ligou semana passada, mas acabei me esquecendo e nem comprei presente pra ela.
- Relaxa, mana. Ela não liga pra isso, tá ligada que o real é colar na banca e curtir o rolê.
- Beleza! Então vamos articular logo esse rolê, senão vamos chegar tarde.
- Eu vou lá na 3 rapidão falar com um boyzinho e já venho.
- De boa, Lalá.
A Laís saiu e eu fui correndo para o banho. Sempre gostei de colar lá no Vale, ali era uma das poucas quebradas que não tinha guerra com ninguém, sem falar que as minas que conheço lá são tudo firmeza.
Tomei um longo banho e aproveitei para vestir minha calça nova, toda desfiada no joelho e bem apertadinha na canela, coloquei uma blusinha prateada, calcei um scarpin nude alto e fiz uma maquiagem bem pesada, quem me conhece sabe que adoro olhos pretos bem esfumados e cílios postiços bem cheios. Me olhei no espelho e gostei do que que via, até que eu sou bem bonita, cabelos pretos longos, 1,75 alt, corpo torneado, pele morena reluzente e um bundão de causar a bagaceira, sempre ouvi na quebrada que sou uma das mais tops, e tenho que concordar, mesmo que eu vivo no corre procuro me cuidar e me vestir bem. Dei mais uma olhada no espelho e coloquei um par de brinco grandes de prata e meu relógio Invicta Angel. Pronto, agora to daquele jeito e na medida certa para o crime.. hehehe

Chegamos no Vale do Amanhecer umas 22 horas da noite e o frevo ainda estava começando, troquei ideia com a minas e logo a dona do frevo chegou irradiando beleza e simpatia.

- Oia, oia! – falou vindo ao meu encontro.
- Parabéns, firma. Sucesso e saúde pra tu!
- E grana, firma!! Muita grana! – Respondeu sorrindo.
- Cadê teu boy, Sah.
- Vish, Parceira. Aquele ali já andou, tá ligada?!
- Sei bem!
- Aê, nem ligo. O bicho tava querendo pagar de bandidão pro meu lado e botei foi logo pra sair fora.
- Eu também to nessa mesma fita, Sah. O foda é que ainda peguei o zé buceta me traindo.
- Bicho zé ruela demais, Dandara! Perdeu uma morena gata dessa!
- Obrigada, amiga!
- Vou trocar uma ideia com a galera e já desenrolamos uma parada aí, beleza?
- Fala aí, poh. To curiosa!
- Relaxa, Dandara. É negócio bom pra nós, tem que ser falado com calma.
- Então quando eu voltar de viagem venho aqui pra gente desenrolar.
- Melhor ainda! – respondeu saindo para a área interna da casa.

Entrei atrás e fui procurar a Laís, desde quando chegamos ela estava enfiada no pescoço de um boyzinho bem gato.
- Caralho, Lalá. To te esperando pra gente ir dançar e tu aqui só no love.
- Tenho que amar, né amiga! – respondeu toda faceira. – deixa eu te apresentar o Junior.
-  Tudo bem Junior?
- Tudo na paz!
- Você que é a patroa lá do agreste?
- Também. – respondi sem entender – A Laís já te falou sobre mim?
- Nada!! Sua fama corre solta, Dandara! Uma das bandidas mais gatas e desejadas de Planaltina.
Percebi que a Laís ficou um bastante sem graça com essa observação.
- Ué, vai dá mole pra minha amiga na minha cara, cuzão?
- que isso, gata!
- Olha as ideias, Dandara?!
- To vendo! – respondi já saindo de perto.
Detesto esse tipo de homem que fica babando mulher na frente da outra, parece que quer chamar a atenção mostrar que é o bambam.
Mó pinta de cuzão com essas ideias, isso sim!
Nem dei mais ideia e fui dançar com as minas, e logo estávamos nos divertindo e trocando aquele papo sadio. Eu já havia bebido bastante e estava bem tonta, fui me sentar um pouco quando percebi um cara vindo na minha direção.
- Boa noite! Posso me sentar aqui?
- fica à vontade.
- Deixa eu me apresentar, me chamo Matuzalém, mas me chamam de Matuza.
- Prazer, Matuza! Me chamo Dandara.
- Gostei do seu nome! – respondeu sorrindo.
Cara, fiquei olhando para aquele sorriso embasbacada, ele era muito lindo, bem mais alto que eu, musculoso, moreno e com um cavanhaque de enlouquecer.
- O seu nome já é bem diferente, né?!
- Meu pais são uns lunáticos, morena. Mas aí, me fala de você, tu mora aonde?
- Moro lá no Roriz! E você?
- Moro no Buritis!
- Qual quadra?
- Moro lá na 5, de frente o posto de saúde 01 de Planaltina.
- Legal!
- Você tá sozinha??
- Agora não mais!
- Como assim?
- Se quiser me fazer companhia essa noite, posso estar acompanhada com você. – falei dando uma piscadinha.


Continua..

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